17 de Outubro de 2017
Foi mais difícil do que eu previ antes de chegar. Foi mais fácil do que eu antevi depois de me instalar. O ashram não é como aquele tipo de pessoa que lhe recebe sorridente, de porta escancarada e café com opção de açúcar ou adoçante dispostos na bandeja na sala de estar. É daquele tipo que espia pelo olho mágico e rumina antes de girar a chave na fechadura. Precisa ser conquistada e amolecida para achar a brecha e ganhar um sorriso de canto de boca ou um olhar de afirmação. Quinze dias se passaram e fechar a mala para ir embora dá um nó lá por dentro, pois sei que este é o exemplo de experiência que a gente carrega para o resto da vida na memória. A maturidade me provou que é um tanto melancólico transformar certas realidades em lembranças.
Acho que por isso me permiti marcar, a fim de externar e prolongar as recordações visíveis. Pego a estrada com dois quilos a menos, os dois cotovelos esfolados, uma cicatriz na nuca, dois roxos na região da bacia, duas bolhas na mão direita, nove picadas de mosquito e uma de um inseto ainda não identificado. Se está doendo? Não. Foi gradual. Resultado de exercícios em repetição e em demasia – em duas semanas, foram 64 horas de yoga, o equivalente a dois meses de aulas diárias – que, aos poucos, sistematicamente, deixaram seus registros em um corpo enferrujado. O que pode parecer uma surpresa a quem me conhece e sabe que não fico sem atividades físicas.
Só que não se trata disso. É uma questão de consciência corporal. De entender exatamente de onde vem aquela lesão e por quê. Captar quando o esforço está demais, sentir a vibração enquanto se move, não tensionar os músculos em vão. Respirar. Respirar. Respirar. Observar o corpo se movendo e respeitá-lo: "Olha, essa é a minha perna e é assim que ela funciona, vai até aqui e deu". Já percebeu o quanto a gente procura se desligar do esforço? Ao exemplo da musculação ou corrida ouvindo música a todo volume nos fones de ouvido para se distrair.
Há exatos 10 anos eu havia perdido a conexão direta com o meu corpo. Foi quando parei de dançar. Ter voltado a pensar no meu corpo não como uma máquina de tonificar músculos e perder e ganhar gramas, mas como um instrumento importante de fluxo de energia, me trouxe uma série de recordações à tona. Revivi lugares. Resgatei pessoas. Voltei no tempo. Sorri. Engasguei para chorar. Bati cabeça. Reacendi a essência de quem eu gostaria de ter sido e ainda tenho chances de me tornar. Percebi que era ao final das aulas práticas, enquanto estava na sessão de relaxamento, que as melhores ideias ou soluções surgiam. O exercício e a meditação, de fato, estavam abrindo um espaço na minha mente. Então, não era mito propagado por gente como Steve Jobs, Will Smith e Nizan Guanaes: funciona. Só que precisa de ajuda para dar certo (e adivinha de quem?).
Claro, o ashram dá um empurrão forte, que está mais para solavanco do que para tapinha nas costas. Começa bloqueando todos os estímulos exteriores. Sem oportunidades de descontar e buscar distração na comida, na tecnologia ou no conforto, você precisa se virar para dentro. Tipo um tatu-bola, assim, que se enrola todo para se proteger das ameaças que vêm de fora. E aí, preste atenção, depois de (e se) vencer esta etapa e permanecer no casulo – até o terceiro dia eu tinha certeza de que iria fugir –, torna-se claro o porquê de tantas pessoas viverem no ashram por meses e até anos. É o mundo como ele deveria ser. Sem desigualdade, sem futilidade, com troca, entrega, reflexão e paz mental.
John Lennon pede para imaginar, mas não precisa, vá até lá e veja por si todas as pessoas vivendo em paz e para o hoje, nenhum motivo para matar ou viver, sem desacordos, religiões ou separações étnicas. E como deixar isso para trás? Me diga? Então eu devo pendurar meu tapete de yoga nas costas e sair por aí encarando esse mundo empanturrado de gente egoísta, poluição e corrupção? Sou obrigada a encarar todo esse açúcar, cafeína e álcool? Todo esse álcool. Esse álcool. Quero ficar mais um mês, pelo menos, daqui ninguém me tira, só se me arrastarem. Essa é a sensação. Com o tempo, as pessoas não deixam o ashram nem no dia livre e param até de ler o noticiário. Habitam a perigosa clausura da vida ideal.
Após refletir, reconheci que de nada adiantaria ter passado por aqui se eu não colocasse em prática o que aprendi e espalhasse com generosidade toda a informação que recebi. O rehab da alma está concluído. Pelo menos, por agora. Estou encaixando a mochila nas costas e pensando: conforto-me em saber que este lugar de paz existe e que eu não sou a única sonhadora. Eu, realmente, espero que um dia você se junte a nós e o que mundo, então, possa ser um só.
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